CONFESSO QUE VIVI

Ultimamente, ou melhor, de alguns anos para cá, tenho sentido muita falta de algumas coisas que antes eram fundamentais, essenciais, quase que o centro de uma outrora despreocupada e jovem existência.
Exemplos? Ouvir música! Quando se é jovem, como são importantes as músicas que ouvimos, como nos marcam, como servem de compasso para nossos amores e aventuras, como se associam às descobertas do mundo que vamos fazendo, ficando gravadas em nossos sentidos, em nosso subconsciente, em nossas almas…
Como é importante também estar com a turma, com aqueles que cresceram junto com a gente, fazendo as mesmas brincadeiras, frequentando a mesma escola, assistindo aos mesmos programas, na TV ou no computador, tendo os mesmos ídolos. Isso nos dá o sentimento de pertencermos a uma determinada geração, e de que ela fará tudo novo, tudo melhor, tudo diferente e mais prazeroso…
Como é desafiador conseguir entrar no cinema quando o filme é censurado para menores de 18 anos? E como é a ânsia de querer entrar em uma boate de adultos, quem sabe até mesmo dirigir um carro, pagar suas próprias despesas e – isto é o principal – ser livre para poder namorar…
Até no paladar a Coca-Cola tem um sabor mais vivo, o acarajé um dendê mais ativo, as comidas um sabor mais irresistível, e as bebidas alcoólicas só têm lado bom, pois seu efeito deletério ainda é somente um papo chato dos mais velhos.
Que saudades de ir para a escola, seja no primário ou na faculdade, enquanto a preocupação única ou principal de pagar nossas contas ainda está com nossos pais, e nosso maior problema é como dar um jeito para estar presente na próxima festa!
Que saudades de dançar, dançar muito, seja agarrado para acontecer um beijo romântico, seja no carnaval, baile funk ou atrás do trio elétrico, com toda a força e vigor da mocidade pulsando forte em nossas veias!
Talvez por isso, quando acontecem os amores, as paixões sejam tão avassaladoras: na juventude, tudo tem mais gosto, mais sabor, é mais urgente, inadiável, embora possa sempre esperar um pouco quando estamos com as pessoas com quem gostamos de estar.
Quero a leveza adolescente cantada por Belchior, que deseja ardentemente “beijar alguém no escuro do cinema, quando ninguém nos vê”, por ser apenas “mais um rapaz latino americano”.
E que saudades também daquela mãe que não está mais presente, dos avós tão amorosos, da esperança de rever o pai um dia, e de se sentir seguro em uma família, o que é tudo de bom!
Foi-se a juventude, e ouvir músicas não é mais a mesma coisa. Foram-se as festas, em sua grande maioria. Beber nem pensar, senão no dia seguinte se acorda todo quebrado, com um mal-estar pra lá de indesejável.
O corpo agora pede moderação na alimentação e, senão uma boa noite de sono, ao menos algumas horas bem dormidas, para poder enfrentar os trabalhos do dia seguinte.
Na atual fase da vida, se me aventurar, serei irresponsável. Se dançar, talvez seja ridículo. E se namorar a pessoa errada, serei adúltero. Meu Deus, o que foi que aconteceu!
Restam-me algumas poucas certezas, uma delas é que a juventude, meus verdes anos, não voltam mais. Passaram.
Porém, ao lembrar de minha juventude, me vem à mente o título de um livro do poeta Pablo Neruda que nunca li, mas que me marcou tão profundamente pelo que vai expresso em seu título que, emocionado e feliz, faço minhas as palavras do grande poeta chileno: Confesso que vivi!
Julio Cezar de Oliveira Gomes é graduado em História e em Direito pela UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz.

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