RETORNO AO TRABALHO PARA QUEM?

Todos nós temos assistido aos pedidos de alguns setores da sociedade para que as pessoas retornem ao trabalho, de forma quase normal, e temos visto, inclusive, carreatas em alguns lugares do Brasil reivindicando que isto ocorra de imediato.
Ao assistir os vídeos de algumas dessas carreatas, certos fatos me chamaram a atenção, e o principal deles foi que muitos desses veículos trafegavam com os vidros fechados e, naturalmente, com o ar condicionado ligado, com seus ocupantes convenientemente isolados do ambiente exterior, seguros dentro dos veículos, que não raro era um modelo top de linha do mercado automobilístico.
Fiquei a pensar: sendo atendido o pleito dessas pessoas, elas irão, certamente, se deslocar para o trabalho em seus próprios veículos. Isso se forem se deslocar até lá, pois parecendo ser pessoas de uma condição social mais alta, muitas delas poderão trabalhar em regime de home office, ou até controlar de casa o trabalho que voltou a ser realizado em suas empresas, escritórios, fábricas, sem precisar estar fisicamente presentes.
E seus empregados, como irão para o trabalho? Decerto que em ônibus urbanos, no trem suburbano ou no metrô lotado, dividindo o mesmo vão com dezenas de pessoas desconhecidas, durante cerca de uma hora na ida, mais uma hora no retorno para casa.
E como trabalharão essas pessoas ao reassumirem seus postos de serviço? Para muitas delas manter isolamento ou distanciamento será absolutamente impossível, pois terão de atender no comércio, de compartilhar a operação de uma máquina, de ocupar um mesmo cômodo na construção civil ou na fábrica, de prestar um serviço diretamente a uma pessoa ou a domicílio.
Na verdade, muitos dos que defendem o retorno ao trabalho podem o estar defendendo, de fato, para os outros, para os mais pobres, os despossuídos de tudo e sem alternativa, que terão de se submeter a tais exigências, sem chance sequer de negociar os termos dessa volta ao trabalho, que poderá ter consequências trágicas, terríveis, tal como ocorreu no norte da Itália, que não quis parar e neste momento tem de recolher centenas de cadáveres a cada dia, todos os dias.
Nós, que somos cristãos – ou que tentamos ser, pois não é fácil seguir as diretrizes de amor vividas por Jesus – devemos pensar nas palavras do Mestre, a dizer que não devemos fazer aos outros aquilo que não gostaríamos que nos fizessem.
Nesse momento eu não gostaria de ter de sair de casa para trabalhar, e só iria se o fizesse em um setor essencial, como Polícia ou Saúde.
Faço um apelo a nossos irmãos e irmãs: deixemos os trabalhadores em casa, o mais possível, porque teremos, após o surto, a vida inteira para trabalhar e produzir; mas agora, atendendo ao clamor dos profissionais de serviços essenciais, das autoridades de saúde e, permitam-me, atentos ao Mestre Jesus, atendamos ao imperativo de sua exortação: não vamos forçar os outros a sair para trabalhar, se nós mesmos não pretendemos sair.
Julio Cezar de Oliveira Gomes é graduado em História e em Direito pela UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz.

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