ESCOLAS PÚBLICAS MILITARES E ESCOLAS PÚBLICAS CIVIS

Temos assistido, nos últimos anos, a um aumento considerável do número de colégios públicos que passaram a ser geridos pelas polícias militares estaduais, tal como ocorre, aqui em Ilhéus, com o CPM Rômulo Galvão, no bairro do Pontal.
Essa militarização do ensino público, como quase tudo na vida, apresenta aspectos positivos e negativos, que podem ser melhor avaliados quando comparamos as escolas militarizadas com aqueloutras que continuam sendo administradas unicamente por educadores que são servidores públicos civis.
Em primeiro lugar, como ponto positivo a chamar a atenção para as escolas militarizadas, salta aos olhos a elevada disciplina de praticamente todos os envolvidos no processo educacional: alunos, professores, diretores, funcionários administrativos e de apoio, estendendo-se, creio, até à parte da comunidade envolvida e às famílias, em maior ou menor grau.
Este aspecto contrasta fortemente com o clima de certa indisciplina que encontramos na maior parte das escolas públicas civis, onde alunos se comportam de forma quase sem limite e, não raro, os próprios agentes públicos envolvidos no processo educacional não tratam com o zelo ideal o exercício de sua importante função.
Infelizmente, tem-se no Brasil o equivocado conceito de que democracia é sinônimo de cada um fazer o que quer, irresponsavelmente. Não é isso. Democracia é equilíbrio e responsabilidade no exercício de direitos e deveres. Não tem nada a ver com frouxidão administrativa, moral, institucional ou de qualquer outro tipo. Nesse sentido, devemos observar que nos países democráticos desenvolvidos, tais como Alemanha, França, Canadá, EUA, Austrália e outros na mesma situação, o respeito às leis – base de um Estado Democrático – paira acima de tudo e de todos.
As escolas públicas militares também têm se notabilizado pelos bons resultados que têm obtido quanto ao aprendizado, principalmente quando comparadas às suas congêneres civis. Não raro, conseguem levar seus estudantes, ao fim do ensino médio, a obter aprovação em cursos concorridos de universidades conceituadas, algo cada vez mais raro nas escolas não militarizadas.
Entretanto, há um aspecto importante a ser considerado: o de que a disciplina militarizada imprime marcas profundas no caráter dos estudantes, e aqui também há de se fazer cautelosas observações.
A primeira delas é que torna-se muito questionável submeter crianças a tal modalidade de ensino. As escolas militarizadas recebem alunos das séries finais do ensino fundamental, que vai do 6º ao 9º ano (antigas quinta a oitava séries), sendo que o desejável é que os alunos ingressem no 6º ano (antiga quinta série) aos 10 anos de idade, em plena fase infantil, que se estende até os 12 anos conforme a definição legal adotada no Brasil.
A educação militarizada, se tem a disciplina como ponto forte, também tem os excessos de valores militares como contraponto negativo: a excessiva valorização de padrões e da cultura militar (que inclui culto a medalhas, armamentos, vitórias em combate e outros que lhe são típicos), a ênfase talvez excessiva em pontos como ordem unida, que pouca utilidade tem na vida civil e, sobretudo, a padronização forçada a que somos submetidos na vida militar, ocultando, muitas vezes de forma excessiva, especialmente para as crianças, outras vocações, valores e saberes.
Assim como nem todos têm vocação para a vida religiosa, nem para ser atletas, cientistas ou artistas, nem todos têm vocação ou mesmo perfil para instituições militares, o que pode conduzir a uma postura de dissimulação, desinteresse ou sentimento de fracasso por parte dos estudantes.
As escolas militares também não parecem ter muito espaço para quem foge aos padrões formalmente estabelecidos. Como ficariam nesta escola adolescentes homossexuais? Ou que simplesmente não gostam – porque ninguém é obrigado a gostar – do militarismo? Ou que sejam mais libertários, com clara vocação para arte, cultura popular e para a vida civil?
Quando ingressamos no militarismo com mais idade, sobretudo na fase adulta, temos mais estrutura e discernimento para lidar com tais questões. Não precisamos tão desesperadamente aprender a obedecer sem questionar como ocorre na infância, nem encobrir desesperadamente determinados aspectos de nossa personalidade que possam parecer incompatíveis com os valores da vida militar, forçando-nos a apresentarmo-nos com uma persona muito diferente do que somos, ou do que gostaríamos de ser, estimulando a dissimulação como principal atributo para a vida social.
Por fim, faço algumas observações destinadas às escolas públicas civis, onde trabalho há quase 30 anos: não se pode, em hipótese alguma, abrir mão de certo grau de disciplina; o exercício da autoridade não precisa se dar forma autoritária, mas tem que existir; e o respeito entre professor e aluno não pode nunca, jamais, ausentar-se da instituição de ensino.
Esta talvez seja a maior lição advinda das escolas militares, que nós outros das escolas civis devemos, sem excessos, sem militarização, mas com urgência, aprender e incorporar ao nosso elevado mister de Educadores.
Julio Cezar de Oliveira Gomes é graduado em História e em Direito pela UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz
Publicado no Blog do Gusmão em 30/10/2019.

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