O NETINHO DA VOVÓ

A exiguidade dos salários de funcionário público me empurrou de volta à UESC, para fazer um novo curso, desta vez na seara jurídica. Tudo bem, não foi só isso, havia também um certo idealismo, uma vontade de utilizar o Direito para trazer ao pequeno pedaço de mundo em que vivo, no interior da Bahia, um pouco de justiça! Mas eu não dizia isto, por receio de ser ridicularizado diante daqueles que têm o dinheiro como um deus, e que não são poucos.
O curso foi feito, com acerto formal e certificação, apesar dos dois empregos, do estágio, dos três filhos e da esposa, junto com demais familiares, requisitarem meu tempo e minha saúde. Mas eu ainda tinha bastante dos dois, então foi possível concluir a empreitada com sucesso.
Aprovado no exame de ordem logo após a colação de grau, restou o ingresso na advocacia, me colocando dentro do terno e da gravata que eu nunca quis usar, pelo menos não cotidianamente, embora as possibilidades da profissão me agradassem.
Dinheiro pouco, dúvidas, obstáculos, tudo foi sendo enfrentado, de forma lenta e gradual, mas com êxito.
Lembro desse início difícil, onde ressaltava minha dificuldade de adaptação ao terno e à gravata, às camisas de manga comprida, com punho e colarinho, abotoado até o último botão, que deve ter sido inventado pelo coisa ruim, em razão do desconforto que causa junto à garganta. Mas é a farda da profissão, parte do exercício profissional do advogado, que também foi enfrentada, mesmo um tanto contrafeito, mas sempre com determinação.
Entretanto, havia um momento em que o paletó, a gravata, o terno, o punho e até o famigerado botão do colarinho me causavam imensa alegria!
Talvez você pense que seja quando da apresentação diante do Magistrado e demais colegas, nas lides forenses; ou quando conseguia receber algum honorário, reforçando o caixa doméstico. Mas não!
Meu momento de júbilo no uso da farda jurídica, completa, impecável, era quando voltando a pé do fórum para o Centro de Ilhéus, mesmo caminhando sob o sol mais quente do verão da Bahia, eu tinha a oportunidade imperdível de passar na morada de minha velha e querida avó, na época já com algo em torno de 80 anos, e não muito longe de terminar sua caminhada entre nós.
A alegria de minha querida avó ao me ver de terno era toda a minha alegria! Seu brilho nos olhos, meu maior contentamento! Sua sensação de que eu tinha dado certo, sua confiança no futuro, essa era minha felicidade! E assim fiz, sempre que podia, até que Deus a convocou para novos espaços.
Perdoem-me senhores Magistrados, peço vênia aos colegas causídicos, aos doutos representantes do Ministério Público e, se for ao caso, até aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, mas nenhum de vocês jamais me proporcionará a alegria juvenil, pura e plena de me apresentar diante da avó amada, desempenhando o papel de neto muito querido da vovó.
Julio Cezar de Oliveira Gomes é graduado em História e em Direito pela UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz.
Publicado no Blog do Gusmão em 20/02/2020.

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